Como deve ser o tratamento da obesidade e quando usar medicamentos para a perda de peso

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Qual é a definição de obesidade?

A obesidade é caracterizada por um acúmulo ou excesso de gordura corporal e trata-se de uma doença crônica, multifatorial, complexa, progressiva, recidivante e uma verdadeira epidemia global, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), que aponta a obesidade como um dos maiores problemas de saúde pública no mundo e que representa um risco para a saúde das crianças e dos adultos. Ela é causada por uma associação de vários fatores: genéticos, epigenéticos, neuroquímicos, ambientais e psicossociais. A obesidade, além de ter uma fisiopatologia bastante complexa, lamentavelmente pode vir associada a diversas complicações, que afetam quase todos os sistemas do nosso organismo. As complicações não ocorrerão todas em uma mesma pessoa, mas de acordo com uma predisposição individual.
A obesidade é um importante fator de risco para doenças crônicas não transmissíveis, como: doenças cardiovasculares (principalmente doenças cardíacas e acidente vascular cerebral), diabetes mellitus tipo 2; distúrbios musculoesqueléticos (especialmente osteoartrite – uma doença degenerativa que pode ser altamente incapacitante das articulações); alguns tipos de câncer (incluindo endométrio, mama, ovário, próstata, fígado, vesícula biliar, rim e cólon). O risco para essas doenças aumenta com o aumento do IMC. A obesidade infantil está associada a maior chance de obesidade, morte prematura e incapacidade na vida adulta. Mas, além do aumento dos riscos futuros, as crianças com obesidade podem apresentar dificuldades respiratórias, aumento do risco de fraturas, hipertensão, marcadores precoces de doenças cardiovasculares, resistência à insulina e efeitos psicológicos.

Por definição, de maneira geral, definimos obesidade quando o IMC (índice de massa corporal) estiver acima de 30 kg/m² e para pessoas de origem asiática, consideramos acima de 27,5 kg/m2. Para sobrepeso consideramos o IMC acima de 25 kg/m2 e em pessoas de origem asiática, consideramos acima de 23 kg/m2. Em adultos acima dos 60 anos, consideramos sobrepeso quando acima de 27 kg/m2. Deve-se aconselhar os adultos com sobrepeso e obesidade que quanto maior o IMC, maior o risco de doenças cardiovasculares, diabetes mellitus tipo 2, outros distúrbios metabólicos, ortopédicos e maior a mortalidade por todas as causas (grau de evidência A e nível de recomendação forte – classe I).

O que é importante saber sobre o tratamento da obesidade...

O tratamento da obesidade bem orientado pelo médico especialista pode evitar uma série de complicações, como doenças cardiovasculares, metabólicas, respiratórias e as ortopédicas, por exemplo. Houve aumento da prevalência da obesidade nos últimos anos, em especial devido à mudança nos padrões alimentares, incorporando em nosso dia a dia alimentos super palatáveis e com alto teor de açúcar simples e gordura, aumento do comportamento sedentário, maior urbanização e menor necessidade de locomoção.

O tratamento da obesidade é alcançado através de mudanças comportamentais, de hábitos de vida, principalmente com foco na dieta saudável e na prática de exercício físico regular, mas cabe salientar que outros pilares também são de fundamental importância quando se fala em perda de peso, como o sono de qualidade, o controle de substâncias tóxicas (como o tabaco e limitar a ingestão de bebida alcoólica), conexões sociais saudáveis e gerenciamento do estresse.

O principal pilar quando falamos em perda de peso é a mudança do estilo de vida!

Existem duas situações distintas que precisamos diferenciar: o desejo social de emagrecer e o tratamento da obesidade. Não há nada de errado em querer melhorar a qualidade de vida perdendo peso mesmo em pessoas sem critérios de obesidade, porém precisamos entender que as estratégias e objetivos de tratamento são diferentes, assim como também é fundamental discutir por que se quer perder peso e se as metas são factíveis, sempre focando na saúde como prioridade. Já a obesidade, por definição, é estabelecida quando o IMC (índice de massa corporal) está acima de 30 kg/m2 e é uma doença sistêmica, multifatorial e dentre os principais fatores associados com o seu surgimento podemos citar: fatores genéticos, gatilhos epigenéticos, disruptores endócrinos, estresse, sedentarismo, acessibilidade a alimentos, fatores econômicos, culturais e sociais. E sabemos que para quem tem obesidade a magnitude de perda de peso importa quando pretendemos a melhora das comorbidades associadas, como por exemplo: diabetes mellitus tipo 2, hipertensão arterial sistêmica, dislipidemia, doença hepática gordurosa não alcoólica, apneia do sono, entre outras. Devemos lembrar também que, independente da presença das comorbidades relacionadas ao excesso de peso, existe relação entre maior índice de massa corporal e aumento da mortalidade, portanto, a obesidade deve ser abordada e tratada de maneira firme.

O principal pilar quando falamos em perda de peso é a mudança do estilo de vida. Uma das principais intervenções no tratamento da obesidade é a mudança no padrão alimentar, que certamente é o principal fator responsável pela prevenção, tratamento e até possibilidade de remissão de várias doenças crônicas, incluindo a obesidade e o diabetes mellitus tipo 2, por exemplo. A dieta deve ser individualizada, considerando não apenas as condições de saúde do paciente, como também preferências alimentares, aspectos sociais, econômicos e culturais. É importante promover uma dieta equilibrada, rica em nutrientes, com baixo teor de gordura e açúcar, e limitar o consumo de alimentos processados e fast-foods.

Qual a melhor dieta para perder peso?

Existem algumas polêmicas em relação a qual o melhor padrão de dieta para a perda de peso, manutenção do peso perdido e para a nossa saúde em geral, mas as melhores evidências científicas atuais apontam que um padrão alimentar baseado predominantemente em plantas (não necessariamente vegetariana ou vegana), centrado em alimentos in natura ou minimamente processados, como frutas, grãos integrais, legumes, oleaginosas e sementes, onde se minimiza o consumo de carnes (em especial carnes processadas), alimentos com açúcar adicionado e óleos processados pode auxiliar na prevenção e no tratamento de várias doenças, como vários tipos de câncer, diabetes mellitus tipo 2, doenças cardiovasculares, inclusive podendo diminuir a mortalidade por todas as causas. O impacto desse tipo de padrão alimentar é bom não apenas para humanos, mas para o meio ambiente. O consumo adequado de água também é um fator importante, sendo que em geral, recomendamos pelo menos 35 ml de água por kg de peso corporal, diariamente.

Exercício físico e terapia cognitivo comportamental

Além disso, faz-se fundamental a prática de exercício físico regular, iniciando com o que for possível, mas tendo como meta 300 minutos por semana e incluindo ao menos 2 vezes por semana o treinamento de força muscular, como a musculação. Inclusive a prática de exercício físico regular é considerada uma das principais estratégias para a manutenção do peso perdido no longo prazo. Além disso, o exercício físico está associado a diversos benefícios à saúde, como a melhora da saúde cardiovascular e a redução do risco de diabetes mellitus tipo 2, além de auxiliar no tratamento de doenças mentais, como depressão e ansiedade, por exemplo. E lembre-se de que o importante é você iniciar de algum jeito, traçando metas reais e que sejam específicas, mensuráveis, alcançáveis, realistas e num determinado espaço de tempo.

A terapia cognitivo comportamental também é importante para auxiliar a pessoa no auto monitoramento, controle de estímulos, resolução de problemas, reestruturação cognitiva, suporte social. As estratégias cognitivo-comportamentais são utilizadas visando a modificação de hábitos prejudiciais. Também é importante trabalharmos o gerenciamento de estresse e há inúmeras estratégias para tal como o mindfulness eating, por exemplo. Também se faz fundamental utilizar uma linguagem centrada na pessoa e sem julgamento que possam proporcionar uma colaboração entre pacientes e profissionais de saúde – preferir pessoa com obesidade em vez de pessoa obesa.

Pacientes com obesidade convivem com uma doença crônica, portanto se fazem necessárias consultas frequentes e recorrentes para monitorar o progresso e fazer ajustes ao tratamento, se necessário. A prática indica que visitas frequentes para discutir mudanças comportamentais podem ter efeitos positivos e significativos no controle de peso e complicações.

A importância da abordagem multidisciplinar

O tratamento da obesidade deve ser baseado em uma abordagem multidisciplinar, envolvendo mudanças na dieta, a prática de exercício físico regular e, em alguns casos, o uso de medicamentos e até mesmo cirurgia bariátrica, em casos selecionados. O objetivo principal do tratamento é promover a perda de peso sustentável, reduzir o risco de complicações relacionadas à obesidade e melhorar a qualidade de vida e o bem-estar das pessoas.

Não temos dúvidas de que as mudanças comportamentais são as estratégias mais importantes para se alcançar a perda e a manutenção da perda de peso no longo prazo. Alguns estudos mostram que é possível sim atingir a perda sustentada de peso com mudanças intensivas de estilo de vida, como o estudo de Wadden TA et al (Obesity, 2011), que forneceu evidências de que uma intervenção abrangente no estilo de vida pode induzir perda de peso clinicamente significativa (ou seja, ≥ 5%) em participantes com sobrepeso/obesidade com diabetes mellitus tipo 2 e manter essa perda em mais de 45% dos pacientes em 4 anos.

Mas infelizmente, outros estudos mostram que apenas 10% das pessoas com obesidade são capazes de atingir e manter 10% do peso perdido por mais de 1 ano.

Então quando prescrever medicamentos para uma pessoa com obesidade ou sobrepeso com comorbidades relacionadas ao excesso de gordura corporal?

  • Quando o paciente não consegue perder peso com mudanças de estilo de vida ou para de perder;
  • Quando o paciente precisa perder mais peso para obter mais benefícios e até a possibilidade de ajudar no tratamento ou possibilitar a remissão de comorbidades associadas à obesidade, como por exemplo, o diabetes mellitus tipo 2, hipertensão arterial sistêmica, apneia do sono, entre outras;
  • Quando o paciente precisa manter o peso perdido e não consegue através das mudanças comportamentais;
 

Várias diretrizes de gerenciamento de obesidade recomendam o uso de medicamentos para tratamento de obesidade como adjuvante na modificação do comportamento em pacientes com IMC ≥ 30 kg/m2 e naqueles com IMC ≥ 27 kg/m2 com comorbidades relacionadas ao peso. O tratamento medicamentoso precisa ter: mecanismo de ação conhecido com eficácia e segurança em longo prazo, diminuir a gordura corporal e melhorar doenças, com custo razoável e efeitos colaterais toleráveis e transitórios. Existem diversas medicações e é importante sempre a individualização do tratamento, centrado na pessoa. Um único tratamento não serve para todos e não adianta mistura de fórmulas sem sentido. A tendência hoje é o tratamento através do padrão alimentar/fenótipo. Não existe uma “receita de bolo”, ou seja, um único medicamento indicado para o tratamento da obesidade ou da pessoa com sobrepeso com comorbidades de uma maneira universal e sim o medicamento mais indicado para cada paciente, acompanhado pelo médico e, de preferência, por uma equipe multidisciplinar, onde também é muito importante o papel do nutricionista, educador físico, fisioterapeuta, psicólogo, entre outros profissionais. Também é possível combinar medicações, desde que seguindo uma lista que seu médico deve saber e também estar de acordo com o seu padrão alimentar. E o mais importante de tudo, o medicamento deve ser SEMPRE associado a mudanças de estilo de vida e não substituir fazer o básico: boa alimentação e a prática de exercício físico regularmente.

E a cirurgia bariátrica?

A cirurgia bariátrica também é uma opção para pacientes com obesidade grau 3 (IMC acima de 40 kg/m2) ou obesidade grau 2 (IMC entre 35 e 40 kg/m2) com comorbidades associadas. A cirurgia bariátrica pode ajudar a promover a perda de peso significativa e melhorar as comorbidades associadas, como o diabetes mellitus tipo 2 e a hipertensão arterial sistêmica, inclusive com possibilidade de remissão de algumas doenças, em alguns casos. No entanto, a cirurgia bariátrica é um procedimento invasivo e deve ser considerada como uma opção após a falha de outras intervenções não cirúrgicas – mudanças comportamentais e uso de medicamentos. E é fundamental lembramos que a cirurgia bariátrica não é um ponto final no tratamento da obesidade e sim o ponto de partida para que se continuem as mudanças comportamentais, caso contrário, o risco de reganho de peso é bastante alto ao longo dos anos, pois não podemos nos esquecer de que a obesidade é uma doença crônica, multifatorial, recidivante, complexa, cujo o acompanhamento é para o resto da vida.

O sucesso no longo prazo depende de constante vigilância na adequação do nível de exercício físico e do controle da ingestão de alimentos, além de outros fatores, como apoio social, familiar e automonitorização. Todo tratamento deve ser individualizado e ter supervisão médica contínua.

É possível evitar o sobrepeso e obesidade?

O sobrepeso e a obesidade, bem como as doenças não transmissíveis relacionadas, são amplamente evitáveis. Ambientes e comunidades de apoio são fundamentais para moldar as escolhas das pessoas, tornando a escolha de alimentos mais saudáveis e atividade física regular a escolha mais fácil (a escolha mais acessível, disponível e econômica) e, portanto, prevenindo o sobrepeso e a obesidade. No nível individual, as pessoas podem: limitar a ingestão de energia de gorduras totais e açúcares; aumentar o consumo de frutas e vegetais, bem como leguminosas, grãos integrais e nozes; e praticar atividade física regular (60 minutos por dia para crianças e 150 minutos semanais para adultos). A responsabilidade individual só pode ter pleno efeito quando as pessoas têm acesso a um estilo de vida saudável. Portanto, no nível da sociedade, é importante apoiar os indivíduos a seguir as recomendações acima, por meio da implementação sustentada de políticas baseadas em evidências e baseadas na população que tornem a atividade física regular e escolhas alimentares mais saudáveis disponíveis, acessíveis e facilmente acessíveis a todos. Um exemplo de tal política é um imposto sobre bebidas adoçadas com açúcar.

A indústria alimentar também pode desempenhar um papel significativo na promoção de dietas saudáveis ao: reduzir o teor de gordura, açúcar e sal dos alimentos processados; garantir que opções saudáveis e nutritivas estejam disponíveis e sejam acessíveis a todos os consumidores; restringir a comercialização de alimentos ricos em açúcares, sal e gorduras, principalmente os destinados a crianças e adolescentes; e garantir a disponibilidade de escolhas alimentares saudáveis e apoiar a prática regular de atividade física no local de trabalho.

Ao entender que a fisiologia que leva à obesidade é extremamente complexa, e com base genética e ambiental, descartamos que essa doença seja fruto de um estilo de vida facilmente solucionado; muito menos falta de caráter ou de força de vontade. É urgente tratar a obesidade com o respeito e a seriedade que merece, assim como qualquer outra doença crônica.

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9. https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/obesity-and-overweight.

Texto escrito e revisado por:

Dra. Jacy Maria Alves

Endocrinologia | CRM 27085 | RQE 17834 e RQE 17665

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