Como a mudança de estilo de vida pode diminuir o risco de doenças cardiovasculares?

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Evidências substanciais respaldam o papel dos hábitos de vida no desencadeamento e prevenção de doenças cardiovasculares, incluindo sua reversão. O estudo INTERHEART, de 2004, realizado em 52 países, elucidou que aproximadamente 80% do risco atribuível a ataques cardíacos estava ligado a cinco fatores principais: tabagismo, colesterol, hipertensão arterial sistêmica (HAS), diabetes mellitus e obesidade. Adicionalmente, fatores como dieta, sedentarismo, consumo de álcool e aspectos psicossociais também contribuíram para esse risco. Similarmente, o estudo INTERSTROKE, conduzido em 2016, destacou 10 principais fatores de risco para AVC, responsáveis por 90% do risco atribuível, incluindo HAS, tabagismo, relação cintura-quadril, dieta inadequada, sedentarismo, diabetes mellitus, consumo de álcool, estresse/depressão, causas cardíacas e relação apolipoproteína.

O renomado “Nurses’ Health Study” evidenciou que aderir a uma dieta baseada em vegetais estava associado a menor incidência de doença coronariana (Satija A et al., 2017). Igualmente notável, o estudo Lyon Diet Heart Study, de 1999, ilustrou que a adoção de uma dieta Mediterrânea estava ligada à proteção cardiovascular, inclusive em pacientes com histórico prévio de evento cardiovascular, indicando benefícios na prevenção secundária.

A despeito dos avanços no tratamento de condições cardíacas, doenças cardiovasculares perduram como a principal causa global de óbitos e incapacidade. Nos últimos anos, houve uma revolução no entendimento da patogênese da aterosclerose, destacando o papel fundamental da inflamação crônica de baixo grau. A aterosclerose parece decorrer de danos oxidativos às células endoteliais revestindo os vasos, incluindo o sistema coronariano. O dano endotelial é um processo progressivo iniciado pela inflamação secundária ao estresse oxidativo, resultando na oxidação das partículas de lipoproteínas de baixa densidade (LDL), possibilitando sua entrada nas paredes arteriais e propiciando o desenvolvimento subsequente de placas, rupturas potenciais e, consequentemente, eventos como infartos ou mortes súbitas.

Um programa de estilo de vida incorporando uma dieta integral de base vegetal demonstrou a reversão da doença coronariana, um feito extraordinário que ultrapassa as conquistas medicamentosas e tecnológicas. Diversas pesquisas destacaram a impressionante influência das intervenções no estilo de vida no desenvolvimento e, até mesmo, na reversão das doenças cardiovasculares. A associação positiva entre um padrão alimentar saudável e a redução de eventos cardíacos é amplamente respaldada, respaldando os efeitos benéficos de uma dieta vegetal rica em polifenóis que atuam de forma protetora no endotélio vascular, diminuindo a oxidação das LDL e impactando a inflamação. Abordagens epidemiológicas robustas sustentam que aderir a uma dieta anti-inflamatória baseada em vegetais pode reduzir o risco de doença cardiovascular em quase 25% (Schwingshackl L, Hoffmann G, 2015; Dinu M et al., 2017).

Promover uma dieta oposta ao padrão americano, com ênfase no aumento do consumo de vegetais e redução de carne vermelha, alimentos processados, açúcares adicionados, sal e gordura, demonstrou melhorar a saúde cardiovascular (Harland J, Garton L, 2016). Mesmo em indivíduos com alto risco genético, um estilo de vida saudável se associou a uma redução de 50% no risco de doença cardiovascular. Além da dieta, a atividade física, em pessoas de maior risco, mostrou uma acentuada diminuição na mortalidade (Nocon M et al., 2008; Chow CK et al., 2010).

Outro estudo notável, publicado na revista JAMA em 1998 por Dean Ornish e colaboradores, intitulado “Intensive Lifestyle Changes for Reversal of Coronary Heart Disease”, visou avaliar o impacto de mudanças intensivas no estilo de vida – incorporando dieta, exercícios, gerenciamento do estresse e suporte emocional – na reversão da doença arterial coronariana. O estudo abrangeu 48 pacientes com doença arterial coronariana estável, com metade submetida a um programa de intervenção abrangente e a outra metade seguindo o tratamento médico padrão.

Quais são as intervenções no grupo de estilo de vida?

  1. Dieta: Uma dieta de baixa gordura (<10% de calorias provenientes de gordura saturada) e rica em alimentos vegetais, como frutas, vegetais, grãos inteiros e legumes.
  2. Exercícios: Realização regular de atividades aeróbicas e de resistência, como caminhadas, exercícios cardiovasculares e de fortalecimento.
  3. Gerenciamento do estresse: Práticas como meditação, yoga e treinamento de relaxamento foram incorporadas para reduzir o estresse.
  4. Apoio emocional: Sessões de grupo foram realizadas para promover a conexão emocional e o compartilhamento de experiências entre os participantes.
  5. Cessação do tabagismo.

Os achados do estudo revelaram que o grupo de intervenção experimentou melhorias notáveis em múltiplas métricas de saúde em comparação ao grupo de controle. Esses avanços abrangeram a redução da obstrução das artérias coronárias, a diminuição do colesterol LDL (conhecido como “colesterol ruim”), o aprimoramento da função endotelial e a mitigação da angina (sensação de dor no peito). A pesquisa conduzida por Dean Ornish proporcionou evidências fundamentais que sustentam a eficácia de alterações abrangentes no estilo de vida. Tais modificações englobam uma dieta saudável de baixo teor de gordura, prática regular de exercícios, gestão eficaz do estresse e suporte emocional. Notavelmente, essas abordagens se mostraram capazes de induzir melhorias significativas na saúde cardiovascular e, em alguns casos, até mesmo reverter a doença arterial coronariana. Essas conclusões têm contribuído substancialmente para a compreensão dos impactos positivos de intervenções não farmacológicas na prevenção e tratamento de enfermidades cardíacas.

Apesar do tamanho limitado da amostra, o estudo apresentou dados impressionantes sobre os efeitos substanciais das mudanças abrangentes no estilo de vida em pacientes com doença aterosclerótica coronariana moderada a grave. Reduções substanciais no colesterol LDL e na frequência de episódios de angina foram observadas após o primeiro ano, e após cinco anos, houve evidências de ainda mais regressão da aterosclerose coronariana. Em contrapartida, os indivíduos que seguiram as abordagens convencionais apresentaram progressão contínua da aterosclerose coronariana ao longo dos cinco anos, com um risco de eventos cardíacos mais de duas vezes superior. Vale ressaltar que as reduções no colesterol LDL no grupo de intervenção se equipararam às obtidas por meio de tratamentos farmacológicos hipolipemiantes. Os resultados também evidenciaram uma relação notável entre a adesão relatada pelos pacientes e as alterações angiográficas observadas, com um alto grau de adesão no primeiro ano e uma adesão satisfatória após cinco anos, avaliada por meio da medida percentual de estenose do diâmetro. Em contraste, os pacientes que aderiram às práticas de estilo de vida convencionais apresentaram uma progressão contínua da aterosclerose coronariana, com uma incidência de eventos cardíacos mais que dobrada em relação aos que adotaram mudanças abrangentes no estilo de vida. No geral, o grau de adesão relatada pelos pacientes demonstrou uma forte correlação com a gravidade da estenose.

Em um estudo adicional de notável relevância publicado no presente ano no Jornal Europeu de Cardiologia, uma revisão sistemática e uma metanálise foram conduzidas para estimar o impacto das dietas vegetarianas e veganas nos níveis sanguíneos de colesterol total, LDL, triglicerídeos e apolipoproteína B. O estudo incorporou trinta estudos clínico randomizados e controlados, os quais revelaram que as dietas baseadas em vegetais (tanto veganas quanto vegetarianas) produziram reduções estatisticamente significativas nos níveis de colesterol, LDL e apolipoproteína B em comparação com o grupo que seguia uma dieta onívora. Esses efeitos foram consistentes entre diversos estudos e perfis de participantes. Em resumo, as dietas de origem vegetal mostraram um potencial notável para diminuir a carga aterosclerótica das lipoproteínas aterogênicas, contribuindo, assim, para a redução do risco de doenças cardiovasculares.

Outro estudo de grande relevância publicado neste ano, na revista JAMA Internal Medicine, por Pollak e colegas, destacou o impacto positivo de um treinamento de comunicação. Esse estudo randomizado demonstrou que o treinamento resultou em melhorias significativas em dois aspectos essenciais da comunicação: expressar empatia e induzir questionamentos. A capacidade de comunicação empática, particularmente desafiadora, foi identificada como um fator que pode aprimorar a experiência do paciente e a compreensão das informações fornecidas. Estudos futuros deverão explorar as abordagens mais eficazes para avaliar os efeitos do coaching em comunicação sobre as percepções dos pacientes quanto aos cuidados recebidos e os resultados clínicos. Além disso, será fundamental verificar a eficácia dessa abordagem em grupos maiores e mais diversificados de cardiologistas.

Referências

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Texto escrito e revisado por:

Dra. Jacy Maria Alves

Endocrinologia | CRM 27085 | RQE 17834 e RQE 17665

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