Vinagre de Maçã: Reflexões Sobre os Rumos da Medicina

Índice

Se você ainda não assistiu à nova minissérie da Netflix sobre este assunto, recomendo fortemente que o faça. A série nos convida a refletir sobre como muitos pacientes, atualmente, se sentem desorientados diante de um oceano de informações conflitantes originárias de redes sociais e outros meios informais. Infelizmente, esses pacientes frequentemente são ludibriados por profissionais com conhecimento limitado ou formação questionável, muitas vezes envolvidos em conflitos de interesse. Ainda há aqueles bem formados que, atraídos por modismos e a perspectiva de ganhos mais elevados, acabam se deixando seduzir por caminhos e orientações questionáveis e sem fundamentação sólida.

Mas, além das práticas questionáveis, o que esses profissionais compartilham que pode estar atraindo pacientes a manterem um vínculo com eles? A resposta pode estar na comunicação mais eficaz e, obviamente, sedutora, apesar de enganosa.

A Busca por Tratamentos Milagrosos

Essa busca incessante por tratamentos milagrosos, sem respaldo científico adequado ou muitas vezes baseados em estudos publicados em periódicos predatórios, levanta uma questão crucial: será que a forma como a Medicina está sendo praticada realmente atende às necessidades das pessoas? A ciência médica avançou significativamente com a introdução de medicamentos que mudaram a história da saúde, tais como antibióticos, analgésicos, aspirina, estatinas, quimioterápicos, e, mais recentemente, os análogos de GLP-1, que revolucionaram o tratamento da obesidade.

O Paradoxo da Medicina Moderna

Diante de tantos avanços, por que algumas pessoas ainda insistem em gastar fortunas em tratamentos sem eficácia comprovada, que não apenas não funcionam, mas podem também oferecer riscos à saúde? Exames desnecessários, doenças inexistentes, soros que prometem milagres, enemas de café, terapias com anabolizantes ou implantes hormonais desnecessários são apenas alguns exemplos. Influencers e alguns médicos exploram a credulidade alheia, sendo que muitos desses profissionais, apesar de terem boa formação, sucumbem à falta de ética em busca de ganhos pessoais, sejam eles financeiros ou de popularidade.

A Armadilha do “Sentir-se Melhor”

É comum ouvir: “Mas eu me sinto melhor!”. Substâncias como a testosterona e outros androgênios, em doses inadequadas, podem causar um rápido bem-estar, mas as consequências podem ser desastrosas a longo prazo. Isso se aplica a várias outras substâncias utilizadas sem critério.

Onde Está o Erro?

Os avanços científicos e tecnológicos melhoraram significativamente o tratamento de doenças e a prestação de cuidados, mas esses mesmos avanços têm contribuído para a insatisfação de médicos e pacientes. Nas tentativas de personalizar o atendimento de saúde, a prestação de cuidados tornou-se mais impessoal. A necessidade do paciente de se conectar e a necessidade do médico de encontrar significado através da conexão são frustradas por um prontuário eletrônico invasivo, visitas breves e exigências administrativas. Este descompasso entre tempo e expectativas está associado à frustração do médico, exaustão emocional e taxas de “burnout” que afetam muitos clínicos.

A Medicina tradicional é muito boa e essencial para termos atingido o patamar de saúde e longevidade na qual nos encontramos, mas algo foi deixado de lado ao longo nas últimas décadas. É urgente resgatarmos a valorização das histórias das pessoas, utilizando uma comunicação não-violenta, desenvolvendo inteligência emocional, empatia e compaixão. Precisamos reviver práticas do passado, ressaltar a importância de orientações que foram esquecidas, promover a complementaridade de práticas no tratamento padrão e reafirmar o conceito de que mente e corpo estão intrinsecamente ligados.

Somente através dessa abordagem mais ampla conseguiremos reconquistar a confiança dos pacientes. A questão não é apenas o que comunicamos, mas como comunicamos.


Como Está a Comunicação?

Um dos problemas que gera insatisfação em muitos pacientes no atendimento médico atual é a hierarquia de poder que engrandece os médicos como especialistas absolutos enquanto posiciona os pacientes como receptores passivos de tratamento, frequentemente sem oportunidade de expressar suas próprias escolhas. Apesar da dedicação e das boas intenções dos médicos, esse desequilíbrio limita a capacidade dos pacientes de agir sobre sua própria saúde e participar ativamente de seu processo de cura. Questões essenciais sobre a vida pessoal do paciente muitas vezes não são abordadas, e estes, por sua vez, não se sentem confiantes para insistir que suas intuições e percepções possam contribuir para o tratamento.

Para substituir essa tradicional hierarquia, é crucial que os profissionais de saúde promovam uma parceria baseada na confiança mútua. Isso envolve uma escuta ativa, o compartilhamento de informações e a participação conjunta nas tomadas de decisão, criando um ambiente de saúde mais colaborativo e satisfatório. Estudos demonstram que a conexão empática entre médico e paciente não apenas aquece o relacionamento, mas também impacta positivamente os resultados de saúde. A empatia estabelece um vínculo que ultrapassa os diagnósticos, favorecendo a adesão ao tratamento e melhorando os resultados.

A prática de “Preparar com Intenção” é parte desse esforço, que inclui familiarizar-se previamente com o paciente e adotar um ritual para focar a atenção. Um artigo publicado na revista JAMA em 2020 por Zulman e colaboradores, após uma revisão sistemática da literatura, observações de encontros clínicos e entrevistas qualitativas com médicos, pacientes e profissionais não médicos, identifica algumas práticas recomendadas para fortalecer essa conexão:

  • Ouvir atentamente e completamente: Implica em sentar-se, inclinar-se para frente e evitar interrupções para ouvir o paciente de forma completa.
  • Concordar sobre o que é mais importante: Consiste em entender o que é mais importante para o paciente e incorporar essas prioridades na agenda da visita.
  • Conectar-se com a história do paciente: Considera as circunstâncias que influenciam a saúde do paciente e reconhece seus esforços e sucessos.
  • Explorar as pistas emocionais: Envolve perceber, nomear e validar as emoções do paciente para se tornar um parceiro de confiança.
    A comunicação vai além da escolha de palavras. Inclui entonação, velocidade do discurso e aspectos não verbais, todos transmitindo mensagens importantes. A escolha de palavras não deve ser subestimada, pois tem o poder de aproximar ou afastar, incluir ou excluir, demonstrar respeito ou estigmatizar.
    A comunicação determina a qualidade da interação, seja em consultas médicas, comunicados na imprensa ou redes sociais. É crucial para criar laços de confiança, educação em saúde e empoderamento. Em situações de atendimento, torna-se um aspecto crucial para aproximação, construção de confiança e promoção da educação em saúde.

Saiba Mais: Medicina do Estilo de Vida

Uma comunicação eficaz permite que a pessoa atendida se sinta confortável, acolhida e valorizada, capacitando-a a se engajar em seus autocuidados. Isso resulta em melhores resultados clínicos e qualidade de vida.

Texto escrito e revisado por:

Dra. Jacy Maria Alves

Endocrinologia | CRM 27085 | RQE 17834 e RQE 17665

Dicas de Saúde