Síndrome dos Ovários Policísticos (SOP)

Índice

O que é a Síndrome dos Ovários Policísticos?

A Síndrome dos Ovários Policísticos (SOP) é a endocrinopatia mais frequente entre mulheres em idade reprodutiva e é considerada poligênica e multifatorial, com influência importante do ambiente, afetando cerca de 9% a 18% das mulheres em idade fértil. Ela se caracteriza por hiperandrogenismo, disfunção ovulatória e morfologia policística do ovário. A definição com melhor evidência até então para diagnóstico da SOP é a do Consenso de Rotterdam. Considera-se a presença de pelo menos dois dos seguintes critérios para a sua confirmação: anovulação crônica/distúrbio menstrual, hiperandrogenismo (aumento de hormônios masculinos) clínico e/ou laboratorial e presença de ovários policísticos na ultrassonografia. É muito importante excluirmos outras causas que podem simular a SOP, como por exemplo, hiperplasia adrenal congênita forma não clássica (HACNC), síndrome de Cushing, tumores secretores de androgênios induzidos por medicamentos, acromegalia, hiperprolactinemia, hipogonadismo e insuficiência ovariana primária.

Como saber se eu tenho Síndrome dos Ovários Policísticos?

A apresentação clínica da SOP é heterogênea, mas os sinais e sintomas podem ser desde manifestações cosméticas, como hirsutismo (crescimento excessivo de pelos de aspecto terminal em regiões corporais de distribuição masculina, como por exemplo, em rosto, mamas, abdome), acne, perda de cabelos, irregularidade menstrual, infertilidade e até alterações metabólicas. O hiperandrogenismo pode ser clínico, bioquímico (níveis de androgênios elevados no sague) ou ambos. A prevalência de obesidade na SOP é de 49% e pode exacerbar as alterações reprodutivas e metabólicas associadas à síndrome, incluindo resistência insulínica, dislipidemia e síndrome metabólica. Inclusive a hiperinsulinemia compensatória à resistência insulínica pode agravar a hiperandrogenemia, uma vez que o excesso de insulina estimula a produção de androgênios pelas células da teca ovariana. Níveis aumentados de insulina e androgênios também inibem a secreção hepática de SHBG, promovendo um aumento dos níveis de testosterona livre, que é a fração ativa desse hormônio. Dessa forma, manifestações clínicas da resistência insulínica, tais como acantose nigricans, hipertensão arterial e aumento da circunferência da cintura devem ser sempre avaliadas em mulheres com suspeita de SOP.

Quem tem Síndrome dos Ovários Policísticos engorda com facilidade?

Muitas mulheres que sofrem com a SOP podem ter sobrepeso ou obesidade. A doença faz com que o organismo tenha maiores dificuldades para usar o hormônio insulina, que normalmente tem a responsabilidade de ajudar a converter os açúcares dos alimentos em energia. Esse problema é conhecido como resistência à insulina e pode provocar o acúmulo de açúcar ou glicose na corrente sanguínea. Esses níveis elevados de insulina também aumentam podem aumentar a produção de androgênios – e ter níveis elevados de androgênios resulta em sintomas como crescimento de pelo no corpo, acne, períodos menstruais irregulares e ganho de peso. Esse ganho de peso desencadeado por hormônios masculinos acontece principalmente no abdome. É importante ressaltar ainda que a gordura abdominal é considerada o tipo mais perigoso de gordura por estar associada a uma elevação no risco de doença cardiovascular e outros problemas de saúde. Mas a boa notícia é que podemos evitar esse quadro através da mudança de estilo de vida, adotando hábitos saudáveis no nosso dia a dia, como dieta adequada, exercício físico regular, sono reparador, evitar etilismo e tabagismo, controle de estresse e cuidado com a saúde mental!

Como é a menstruação de quem tem Síndrome dos Ovários Policísticos?

Os ciclos menstruais variam de acordo com o fenótipo da paciente, variando desde ciclos completamente regulares até ciclos com intervalos em geral maiores (>35 dias) até amenorreia (mulheres que não menstruam).

Quem tem Síndrome dos Ovários Policísticos sente muita cólica?

Em geral a SOP não é causa de cólicas e dor pélvica.

O que a Síndrome dos Ovários Policísticos pode causar?

Mulheres com SOP apresentam maior prevalência de anormalidades cardiometabólicas e possível aumento de risco para doença cardiovascular. Obesidade, pré-diabetes e diabetes mellitus tipo 2 são mais prevalentes em mulheres com SOP. Além disso, o risco de câncer endometrial é duas a seis vezes maior em mulheres com SOP, bem como risco aumentado de complicações obstétricas (diabetes gestacional e pré-eclâmpsia), ansiedade e depressão.

Como fazer o seguimento de mulheres com Síndrome dos Ovários Policísticos?

Recomenda-se nas mulheres com SOP, a monitorização do peso corporal (a cada 6-12 meses, pelo menos), medida da circunferência da cintura, medida da pressão arterial (pelo menos anualmente), pesquisa de fatores de risco cardiovasculares e solicitação de perfil lipídico e glicemia.

Qual exame detecta a Síndrome dos Ovários Policísticos?

O diagnóstico da SOP é predominantemente clínico, onde usamos atualmente os critérios do Consenso de Rotterdam. O diagnóstico requer, assim como qualquer condição clínica, uma história e exame físico detalhados. Considera-se a presença de pelo menos dois dos seguintes critérios para a sua confirmação: anovulação crônica/distúrbio menstrual, hiperandrogenismo clínico e/ou laboratorial e presença de ovários policísticos na ultrassonografia. Ou seja, não basta a presença de ovários com características policísticas ou com aumento de volume para se caracterizar a síndrome, pois muitas vezes essa mulher pode não ter nenhum sinal/sintoma clínico. E também a ausência dessa morfologia ovariana na ultrassonografia não exclui a síndrome, pois se a mulher tiver, por exemplo, irregularidade menstrual e sinais de hiperandrogenismo clínico (hirsutismo, acne..) ou laboratorial muitas vezes já podemos fazer o diagnóstico da síndrome, se já tivermos excluído outras patologias. Além disso os exames complementares incluem avaliação hormonal, bioquímica e de imagem para confirmação do diagnóstico. A avaliação da morforlogia ovariana por ultrassonografia pélvica transvaginal complementa o diagnóstico de SOP e pode ser útil na exclusão de tumores ovarianos.
A irregularidade menstrual é definida da seguinte forma:

– Normal dentro do primeiro ano pós-menarca (menarca é a data da primeira menstruação da mulher), como parte da transição puberal;
– Entre 1 e 3 anos pós-menarca: < 21 dias ou > 45 dias;
– Entre 3 anos pós-menarca até a perimenopausa: < 21 ou > 35 dias ou < 8 ciclos por ano;
– A partir de 1 ano pós-menarca: > 90 dias para qualquer ciclo; e
– Amenorreia primária aos 15 anos ou > 3 anos após telarca.
Obs.: Em adolescentes que apresentem irregularidade menstrual, mas não preencham critérios para SOP, podemos considerá-las como “em risco para SOP” e uma reavaliação é aconselhada ao atingir a maturidade reprodutiva completa, 8 anos após a menarca.

Um ponto muito importante é que os exames hormonais não devem ser realizados durante o uso de contraceptivos hormonais. Quando a avaliação do hiperandrogenismo laboratorial for necessária nas mulheres em uso de contracepção hormonal, ela deve ser suspensa por pelo menos 3 meses antes da avaliação e métodos contraceptivos não hormonais devem ser oferecidos nesse período.

Qual o objetivo do tratamento?

Os objetivos do tratamento são a redução do hiperandrogenismo, proteção endometrial e redução do risco cardiometabólico e das comorbidades. Nas pacientes que desejam engravidar a restauração da ovulação e a fertilidade são os objetivos específicos. As medidas não farmacológicas são tão importantes quando as farmacológicas e devem ser
recomendadas para TODAS as pacientes com SOP.

Quais as medidas não farmacológicas?

Dieta saudável e exercício físico regular devem ser recomendados para todas as mulheres com SOP, assim como para todas as pessoas. Caso a mulher esteja com sobrepeso ou obesidade, recomenda-se dieta com déficit calórico a fim de buscar uma perda de peso de pelo menos 5% do peso inicial, que já pode ser suficiente para benefícios metabólicos, reprodutivos e psicológicos. A meta de exercício recomendada é 150 minutos de atividade moderada por semana ou 75 minutos de atividade intensa por semana, combinadas com pelo menos 2 dias semanais de exercício resistidos. Mas é fundamental lembrarmos que qualquer grau de movimento já é importante e capaz de melhorar os aspectos clínicos da SOP.

O que acontece se não tratar a Síndrome dos Ovários Policísticos?

A SOP não tratada pode impactar na saúde a curto e longo prazo. Ela é associada a diabetes mellitus tipo 2, infertilidade, doenças cardiovasculares, obesidade, apneia do sono (dificuldade da respiração no sono), doença hepática gordurosa não alcoólica e depressão.

Qual o melhor anticoncepcional para quem tem Síndrome dos Ovários Policísticos?

Os anticoncepcionais orais (ACO) combinados são tratamento de primeira linha na abordagem terapêutica de mulheres que não desejam engravidar. Os ACO promovem a ciclicidade menstrual e proteção endometrial, garantem contracepção e melhoram as manifestações hiperandrogênicas. Recomenda-se, como primeira opção, ACO combinado contendo etinilestradiol em doses baixas (20-30 ug).

Além dos anticoncepcionais orais combinados, quais outros medicamentos podem ser usados?

A metformina é considerado off-label e considerada tratamento de segunda linha para a ciclicidade menstrual e redução da hiperandrogenemia para mulheres que não preenchem os critérios de elegibilidade da OMS para uso de ACO devido a
comorbidades cardiometabólicas. Por suas ações relacionas à melhora da resistência insulínica, pode ser associada ao ACO para pacientes com sobrepeso e obesidade, junto com modificações de estilo de vida. Mas atenção, por ter um efeito potencial como indutor de ovulação, é preciso garantir método contraceptivo em mulheres que não desejam engravidar. A metformina em geral não tem efeito expressivo sobre o hirsutismo, portanto, deve-se indicar antiandrogênico nesse caso. Outro medicamento que usamos por vezes também para o hiperandrogenismo clínico é a espironolactona, que é um antagonista da aldosterona e do receptor de androgênio, bem como pode promover discreta inibição da enzima 5-alfa-redutase. Mas vale lembrar que seu uso também é off-label para essa indicação. O acetato de ciproterona é um progestogênio com ação antiandrogênica que ocorre por meio da ligação competitiva com o receptor de androgênios. Em doses mais elevadas, tem também ação antigonadotrófica. É utilizado em forma cíclica em doses de 12,5 a 50 mg 

O que uma pessoa com Síndrome dos Ovários Policísticos não pode comer?

Um artigo bastante interessante publicado na revista Nutrition Research Reviews revisou o impacto das fontes e quantidades dos carboidratos na dieta no aumento dos fatores inflamatórios em pacientes com SOP. Entre os alimentos que mais produzem inflamação, temos os alimentos muito calóricos, os ricos em carboidratos refinados de alto índice glicêmico e carga glicêmica (aqueles que aumentam rapidamente a glicose e insulina no sangue após a sua ingestão), os ricos em gordura e pobre em fibras. Adoçantes à base de frutose (açúcar das frutas) também podem elevar os marcadores inflamatórios. Na prática clínica, podemos avaliar o grau de inflação por marcadores bioquímicos como proteína C reativa e também ferritina. Esses marcadores podem estar aumentados nos estados como obesidade e diabetes mellitus tipo 2, por exemplo. Diferentes estudos mostraram que carboidratos dos laticínios e dos alimentos ricos em amido (ex.: batata, mandioca, arroz, trigo) provocam picos de insulina maiores que carboidratos derivados de vegetais e frutas isentos ou pobre em amido (feijão, couve- flor, cenoura, folhas verdes, abobrinha, milho, ervilha, cebola, vagem etc.). Esses últimos alimentos devem ser escolhidos no lugar dos primeiros.

Quais os alimentos recomendados para a Síndrome dos Ovários Policísticos?

Estudos sugerem que dietas de baixo índice glicêmico, ricos em fibras, (por exemplo os in natura ou minimamente processados) estão relacionados a menores níveis de marcadores inflamatórios. A ingestão de castanhas, ricas em gorduras boas, também foi citada como possivelmente benéfica para reduzir os níveis de inflamação no organismo. É bom lembrar que frutas e vegetais frescos são ricos em antioxidantes naturais. Para uma dieta saudável, não precisamos inventar muita moda. Não é necessário que seja adicionados alimentos fora da culinária brasileira.

É possível engravidar com a Síndrome dos Ovários Policísticos?

Sim, com certeza! Mulheres com SOP que almejam a gestação devem seguir as medidas não farmacológicas, em especial controle do peso, dieta saudável, exercício físico, cessação de tabagismo (quando for o caso), controle da pressão arterial, glicemia, sono e saúde mental. Mulheres com SOP, mas que possuem ciclos ovulatórios, podem engravidar sem qualquer dificuldade, especialmente aqueles que possuem o peso corporal normal e têm bons hábitos de vida, aliás, uma boa parte das mulheres com SOP engravida sem dificuldades. A anovulacão é a principal causa da infertilidade em mulheres com SOP. Em termos gerais, as opções terapêuticas nesse caso são: indução de ovulação como letrozol, citrato de clomifeno ou metformina como monoterapia; indução de ovulação com gonadotrofinas; métodos de reprodução assistida e cirurgia laparoscópica ovariana. Em qualquer um desses casos listados acima o acompanhamento deve ser realizado por clínicos experientes na área ou até mesmo por especialistas em reprodução humana.

Referências:

Hohl, Alexandre; Ronsoni, Marcelo F.; Meirelles, Ricardo M. R. Guia prático em Endocrinologia Feminina, Andrologia e Transgeneridade, 2022. Barrea, L. et al. Source and amount of carbohydrate in the diet and inflammation in women with polycystic ovary syndrome. Nutr Res Rev, v. 31, n. 2, p. 291-301, 2018. ISSN 1475-2700.
Disponível em: < https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/30033891

Texto escrito e revisado por:

Dra. Jacy Maria Alves

Endocrinologia | CRM 27085 | RQE 17834 e RQE 17665

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