Certamente, você conhece alguém que faz reposição hormonal com testosterona ou talvez você mesmo a utilize. Mas você tem ideia dos verdadeiros riscos/benefícios por trás dessa prescrição, que virou moda nos últimos anos? Principalmente entre os que buscam um corpo escultural e musculoso, a testosterona acena como um recurso “promissor”. Mas você sabe a que preço? Vale a pena?
Quando é indicada a terapia de reposição com testosterona? (TRT)
A terapia de reposição de testosterona (TRT) envolve riscos importantes, e por isso deve ser utilizada de forma muito criteriosa e baseada em evidências, considerando as diretrizes das Sociedades Médicas e recomendações atuais.
A TRT tem poucas indicações cientificamente seguras e aceitas. A mais reconhecida é para homens com hipogonadismo devidamente confirmado, que é caracterizado por níveis baixos de testosterona associados a sintomas clínicos, como disfunção sexual, perda de massa muscular, fadiga e diminuição da densidade óssea. [1-3]
Onde mora o perigo?
Aqui mora o perigo. Digamos que os seus níveis de testosterona estejam na faixa da normalidade e algum prescritor afirme que, “suplementando” para trazê-los mais para cima, você se sentirá muito melhor. Mesmo que isso fosse comprovado, os grandes riscos (principalmente aumento da morbimortalidade cardiovascular) não compensariam os discutíveis “benefícios”.
Como vimos, o uso seguro da testosterona requer confirmação do diagnóstico de hipogonadismo, que deve ser feito por meio de duas medições matinais de testosterona total, que mostrem níveis efetivamente reduzidos. [2-3] Confirmado o diagnóstico, a TRT, desde que corretamente conduzida, pode ser benéfica para melhorar a função sexual, o desejo sexual e a densidade óssea em homens com hipogonadismo. [4-5]
No entanto, os benefícios em outras condições, como função cognitiva, humor e capacidade física, são menos claros, necessitando estudos adicionais. Não se justifica o uso de testosterona apenas para “melhorar” o humor, a massa muscular e o desempenho físico ou mental, como se vem apregoando, estando seus níveis normais, ou seja, não havendo um diagnóstico confirmado de hipogonadismo masculino. [4-5]
É indicada na infertilidade? Quando é contraindicada?
Se o problema é infertilidade masculina, bom pontuar que a TRT é, ao contrário, contraindicada, pois pode interromper a espermatogênese normal.[3] Além disso, envolve riscos no caso de homens com câncer de próstata não tratado ou câncer de mama, e em pacientes que tiveram infarto do miocárdio ou acidente vascular cerebral.[1][3] A segurança cardiovascular da TRT ainda é uma área de preocupação, e a FDA nos EUA alerta para aumento do risco de complicações cardiovasculares.[2][5]
E para mulheres?
Para mulheres, a única indicação baseada em evidências para a terapia com testosterona é o tratamento do transtorno do desejo sexual hipoativo (HSDD), e deve ser administrada com cuidado para atingir concentrações fisiológicas pré-menopáusicas.[6]
Não há dados suficientes para apoiar o uso de testosterona para outros sintomas ou condições clínicas em mulheres.[6] A terapia deve ser cuidadosamente monitorada para garantir que os níveis de testosterona no sangue permaneçam dentro das concentrações fisiológicas pré-menopáusicas. .[6]
O transtorno do desejo sexual hipoativo (HSDD) é diagnosticada com base em critérios clínicos bem estabelecidos. O HSDD é caracterizado pela ausência persistente ou recorrente de pensamentos ou fantasias sexuais e/ou falta de desejo por atividade sexual, que está associada a um sofrimento pessoal significativo e/ou dificuldades interpessoais. É crucial que esses sintomas não possam ser mais bem explicados por outro transtorno primário, medicação ou condição médica geral. [7-8]
Para o diagnóstico, é importante realizar uma avaliação biopsicossocial abrangente, que considere fatores biológicos, psicológicos e socioculturais, além de influências interpessoais.[7][9] Ferramentas de triagem validadas, como o Decreased Sexual Desire Screener, podem ser úteis para identificar a necessidade de uma avaliação mais aprofundada.[7][10]
O diagnóstico também deve distinguir entre HSDD generalizado adquirido e outras formas de interesse sexual reduzido. A avaliação clínica deve incluir uma história médica e sexual detalhada e, em alguns casos, um exame físico. [11-12] A presença de sofrimento pessoal é um critério essencial para o diagnóstico, conforme estabelecido pelo Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5).[11]
O HSDD é uma condição reconhecida e tratável, com opções de tratamento que incluem intervenções não farmacológicas, como terapia sexual e psicoterapia, além de tratamentos farmacológicos aprovados, como a flibanserina e o bremelanotida, ambos aprovados pela FDA para mulheres pré-menopáusicas nos Estados Unidos. [7-9]
Um estudo sistemático e meta-análise envolvendo sete ensaios clínicos randomizados com 3.035 participantes demonstrou que o uso de testosterona transdérmica em mulheres pós-menopáusicas resultou em melhorias significativas na função sexual em comparação com o placebo. No entanto, o tratamento foi associado a eventos adversos androgênicos, como acne e crescimento de pelos.[13]
A literatura também destaca que, embora a testosterona seja uma ferramenta terapêutica valiosa, ainda há uma falta de dados sobre a segurança a longo prazo, especialmente em relação ao risco cardiovascular e de câncer.[15] [16-17] Além disso, não há preparações de testosterona aprovadas especificamente para mulheres, o que leva ao uso off-label de formulações destinadas a homens, com ajustes de dose para evitar níveis supra fisiológicos de testosterona. [6-17]
As diretrizes de consenso global indicam que a única indicação baseada em evidências para a terapia com testosterona em mulheres é o tratamento do HSDD. Recomenda-se que a avaliação clínica completa seja realizada para identificar e tratar outros fatores contribuintes para a disfunção sexual antes de iniciar a terapia com testosterona.[6]
A terapia com testosterona pode ser considerada para mulheres pós-menopáusicas com HSDD, desde que outras causas tenham sido minuciosamente excluídas. No entanto, devido à falta de dados sobre a segurança a longo prazo, é crucial que seu uso seja cauteloso, com monitoramento cuidadoso dos níveis hormonais e possíveis efeitos adversos. Uma abordagem cuidadosa e individualizada é essencial para garantir o tratamento eficaz e seguro do HSDD.
Como monitorar a reposição de testosterona em homens?
A monitorização dos pacientes em TRT é crucial, incluindo a avaliação da resposta clínica e a medição de testosterona total, hematócrito e antígeno prostático específico (PSA). [1-2] A escolha da formulação de testosterona (transdérmica ou intramuscular) deve considerar a eficácia clínica, os custos e as preferências do paciente.[5]
Resumindo
O modismo de prescrever testosterona indiscriminadamente é irresponsável e implica enorme perigo à saúde, e essa indicação deve ser seriamente considerada apenas em casos de hipogonadismo confirmado nos homens e o transtorno do desejo sexual hipoativo em mulheres, com uma avaliação cuidadosa dos riscos e benefícios, e monitorização contínua para garantir a segurança e eficácia do tratamento.
É crucial que a decisão de iniciar a terapia com testosterona seja baseada em uma avaliação clínica completa e que os pacientes sejam informados sobre os potenciais riscos e benefícios do tratamento. Além disso, a segurança a longo prazo da terapia com testosterona, especialmente em mulheres, ainda não foi estabelecida.
Escrito por Dra. Jacy Maria Alves e Dr. Daniel Boarim
Referências
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