Modulação hormonal

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Modulação Hormonal não é uma prática reconhecida pelo Conselho Federal de Medicina (CFM)

A banalização na indicação de hormônios pode trazer mais riscos que benefícios. A “desinformação” é tão disseminada que acaba parecendo uma verdade aos olhos dos leigos, que muitas vezes não resistem e se submetem a tratamentos que colocam a saúde, e até a vida, em risco. A tarefa de orientar essas pessoas que costumam procurar essas informações em sites de busca e nas redes sociais, muitas vezes seguindo informações desses profissionais que muitas vezes têm milhares ou até milhões de seguidores nem sempre é fácil, pois afinal de contas, imagina-se que esses médicos por serem muito “influentes” estão muito atualizados e fazendo práticas baseadas em ciência e com segurança. Por isso, não só a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), como a Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia, Ginecologia e Obstetrícia, Urologia, entre outras, têm investido em inúmeras campanhas de alerta à população. O uso indiscriminado de hormônios sem indicação clínica real movimenta um mercado milionário e chama atenção para o exercício ilegal da Medicina. Solicitar exames de dosagem hormonal em pacientes saudáveis para justificar a indicação de hormônios com fins estéticos – antienvelhecimento, ganho de massa muscular, redução da celulite, perda de peso e aumento de libido –, tornou-se uma perigosa realidade no país. Muitas vezes são os próprios pacientes, sem saber das potenciais consequências deletérias, que buscam a “modulação hormonal” ou o implante do “chip da beleza”, prática condenada pela Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), devido aos efeitos adversos que isso pode gerar. Tratamentos chamados de modulação hormonal não apenas fogem à ética profissional, mas representam também um risco à saúde pública. A pessoa pode até se sentir muito bem com esse tipo de tratamento, ganhar massa muscular, melhorar a disposição ou ficar próximo ao “ideal” de beleza, mas sinceramente na grande maioria das vezes é bem provável que o custo é muito maior que o benefício. Dentre os perigos que o uso indiscriminado de hormônios pode trazer à saúde estão a elevação da resistência à insulina, que pode desencadear um diabetes mellitus, retenção hidrossalina, acne, alterações de função renal, alterações comportamentais, alterações hepáticas, além de eventos cardiovasculares, principalmente se for uma pessoa com obesidade, colesterol elevado ou com hipertensão arterial, por exemplo. Na página de quem vende esse tipo de tratamento esses potenciais efeitos adversos em geral não são sequer citados, mas acontece com certa frequência em prontos-socorros e em consultórios de endocrinologistas, que assim como eu e muitos colegas, precisam de muita orientação, acolhimento e empatia para guiar e acompanhar esses efeitos, que muitas vezes não sabemos ao certo até quando irão permanecer no organismo. Muitas vezes uma doença é “criada” para justificar o uso de hormônio. O uso de hormônios deve ter sempre sua indicação baseada em evidências, com cautela e quando existe real deficiência. Muitos colegas estão fazendo a prescrição de diversos hormônios através de chips. Alguns até apelidaram o chip de gestrinona de “chip da beleza”. No ano passado a ANVISA proibiu a propaganda da gestrinona e de produtos que contêm essa substância. A gestrinona é um hormônio esteroide com ações anabolizantes. Ao iniciar o uso, a mulher pode até referir, a curto prazo, melhora em sintomas relacionados à indisposição, fraqueza e redução da libido devido ao efeito androgênico e anabólico do hormônio. A médio prazo, entretanto, os efeitos androgênicos indesejáveis podem começar a aparecer. E, a longo prazo, ainda não sabemos de todos os riscos, pois nenhum estudo avaliou a segurança. É o efeito androgênico do hormônio que é responsável pelos seus principais efeitos colaterais: hirsutismo, acne, alopecia androgenética, clitoromegalia e mudança da tonalidade da voz (esta última de caráter irreversível mesmo após a suspensão da droga). Além disso, a substância possui efeitos anabólicos reconhecidos, o que a fez ser considerada como doping pela World Anti- Doping Agency. O maior temor a longo prazo é em relação aos potenciais riscos cardiovasculares e possíveis danos hepáticos.

SAIBA O QUE DIZ A RESOLUÇÃO CFM 1.999/2012

Ficam vedados o uso e divulgação dos seguintes procedimentos e respectivas indicações da chamada medicina antienvelhecimento:
I. Utilização do ácido etilenodiaminatetraacetico (EDTA), procaína, vitaminas e antioxidantes referidos como terapia antienvelhecimento, anticâncer, antiarteriosclerose ou voltadas para o tratamento de doenças crônico- degenerativas;
II. Quaisquer terapias antienvelhecimento, anticâncer, antiarteriosclerose ou voltadas para doenças crônico-degenerativas, exceto nas situações de deficiências diagnosticadas cuja reposição mostra evidências de benefícios cientificamente comprovados; 
III. Utilização de hormônios, em qualquer formulação, inclusive o hormônio de crescimento, exceto nas situações de deficiências diagnosticadas cuja reposição mostra vidências de benefícios cientificamente comprovados; 

De acordo com a Resolução CFM 1999/2012, a reposição de deficiências de hormônios e de outros elementos essenciais se fará somente em caso de deficiência específica comprovada e que tenham benefícios cientificamente comprovados:

IV. Tratamentos baseados na reposição, suplementação ou modulação hormonal com os objetivos de prevenir, retardar, modular e/ou reverter o processo de envelhecimento, prevenir a perda funcional da velhice, prevenir doenças crônicas e promover o envelhecimento saudável;
V. A prescrição de hormônios conhecidos como “bioidênticos” para o tratamento antienvelhecimento, com vistas a prevenir, retardar e/ou modular processo de envelhecimento, prevenir a perda funcional da velhice, prevenir doenças crônicas e promover o envelhecimento saudável; 
VI. Os testes de saliva para dehidroepiandrosterona (DHEA), estrogênio, melatonina, progesterona, testosterona ou cortisol utilizados com a finalidade de triagem, diagnóstico ou acompanhamento da menopausa ou a doenças relacionadas ao envelhecimento, por não apresentar evidências científicas para a utilização na prática

Exemplos:

Por exemplo, hidrocortisona não é “vitamina para melhorar disposição”, é um corticoide que quando bem indicado é excelente, mas pode ser uma verdadeira tragédia para quem não tem indicação, fazendo uma bagunça completa no seu eixo hipotálamo- hipófise-adrenal. Portanto, prescrever corticosteroides para uma suposta “fadiga adrenal” é submeter o paciente a uma condição anormal de excesso desse hormônio, conhecida como síndrome de Cushing iatrogênica, que pode levar ao diabetes mellitus, hipertensão arterial, ganho de peso, estrias. Da mesma forma atualmente a recomendação sobre a dosagem de testosterona é que não está indicada para o diagnóstico do Transtorno do Interesse/ Excitação Sexual Feminino, nem para avaliação de baixa função ovariana ou adrenal porque o método de dosagem utilizado mundialmente só permite discriminar o excesso de produção de testosterona, como para o diagnóstico de tumores e/ou outras doenças que levam a acne, hirsutismo e virilização. Testosterona total e sobretudo livre só devem ser dosadas na avaliação de hiperandrogenismo. O uso de Testosterona pela mulher não está aprovado no Brasil e não existem medicamentos fiscalizados por órgãos de vigilância sanitária (ANVISA) aqui disponíveis. Mundialmente, não é recomendado o uso de formulações masculinas para mulheres. O uso de Testosterona por mulheres, sem indicação e com medicamentos inadequados, pode levar a efeitos a curto e a longo prazo, dose- dependentes como espinhas, excesso de pelos, queda de cabelo, aumento do risco cardiovascular, engrossamento da voz, aumento do clitóris, além de dependência psicológica como depressão após a retirada. A reposição de testosterona está indicada em situações de deficiência diagnosticada em homens, quadro clínico denominado hipogonadismo, cujos critérios diagnósticos são bem estabelecidos por diretrizes de várias sociedades médicas publicadas na literatura. O uso da testosterona também está indicado para terapia hormonal cruzada no cuidado à pessoa com incongruência de gênero ou transgênero. O uso dessas substâncias para fins de ganho de desempenho no esporte amador, para fins estéticos ou como agentes anti-envelhecimento é desprovido de qualquer base científica e é acompanhado de riscos bem descritos na literatura, justificando a proibição de seu uso nestes casos pelo CFM através da resolução 1999/2012. Administrar tiroxina a um paciente não portador de hipotireoidismo clínico e laboratorial é submetê-lo a uma tireotoxicose iatrogênica. Ou seja, uma doença causada pelo excesso de tiroxina com sérios danos para o sistema cardiovascular (arritmias), esqueleto (osteoporose) e músculos (perda de massa). Quando se administra pequenas doses “moduladas” de hormônios em pessoas sem deficiência, sabe-se que o organismo lança mão de um sistema compensador reduzindo a própria fabricação do hormônio endógeno (é o mecanismo de retroalimentação negativa) prejudicando a produção hormonal do paciente, o que pode levar a uma deficiência real do hormônio depois de algum tempo de uso. O uso de hormônios para aumento de massa muscular e melhora da performance física também é ilegal e pode trazer graves consequências. A campanha #bombatôfora tem o objetivo de educar a população e prevenir o uso indiscriminado de substâncias anabolizantes e similares. Portanto, a utilização de hormônios em pessoas que não apresentam deficiências hormonais está contraindicada. Médicos e outros profissionais da saúde que utilizam hormônios no tratamento de pacientes sem deficiências hormonais e que geram efeitos adversos e complicações podem ser penalizados pelos conselhos profissionais por exercício ilegal ou má prática da medicina. Além disso, eles também podem ser responsabilizados na esfera cível e até penal.  Combater o envelhecimento ou buscar outros efeitos estéticos com “modulação hormonal” com “bioidênticos” se encontra na área da especulação e do desconhecimento científico, o que expõe os usuários a experimentos não éticos e, portanto, proscritos pelo Código de Ética Médica. A reposição de qualquer hormônio deve ser feita baseada na deficiência do mesmo, com acompanhamento médico especializado, observando-se riscos e benefícios
do uso do mesmo. Quando há falta ou não há produção de determinado hormônio, este deverá ser reposto. Quando houver excesso hormonal, este deverá ser controlado. Sugerimos sempre conferir se o médico que lhe prescreve hormônicos e se diz endocrinologista realmente é especialista em Endocrinologia e Metabologia através do site do Conselho Federal de Medicina ou da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (colocarei o link abaixo, nas referências 6 e 7).

Referências: 

Texto escrito e revisado por:

Dra. Jacy Maria Alves

Endocrinologia | CRM 27085 | RQE 17834 e RQE 17665

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